Desprendimento dos Bens Terrenos





LACORDAIRE
Constantina, Argélia, 1863
            14 – Venho, meus irmãos, meus amigos, trazer-vos meu humilde auxílio, para ajudar-vos a marchar corajosamente na via de aperfeiçoamento em que entrastes. Somos devedores uns dos outros, e somente por uma união sincera e fraternal, entre os Espíritos e os encarnados, a regeneração será possível.
            Vosso apego aos bens terrenos é um dos mais fortes entraves ao vosso adiantamento moral e espiritual. Em virtude desse desejo de aquisição, destruís as vossas faculdades afetivas, voltando-as inteiramente para as coisas materiais. Sede sinceros: a fortuna proporciona uma felicidade sem manchas? Quando os vossos cofres estão cheios, não há sempre um vazio em vossos corações? No fundo dessa cesta de flores, não há sempre um réptil oculto? Compreendo que um homem que conquistou a fortuna, por um trabalho constante e honrado, experimente por isso uma satisfação, aliás muito justa. Mas, desta satisfação muito natural e que Deus aprova, a um apego que absorve os demais sentimentos e paralisa os impulsos do coração, há uma distância, igual e que vai da sórdida avareza à prodigalidade exagerada, dois vícios entre os quais Deus colocou a caridade, santa e salutar virtude,que ensina o rico a dar sem ostentação, para que o pobre receba sem humilhação.
            Que a fortuna provenha da vossa família, ou que a tenhais ganho pelo vosso trabalho, há uma coisa que jamais deveis esquecer: é que tudo vem de Deus, e tudo a Deus retorna. Nada vos pertence na Terra, nem sequer o vosso corpo: a morte despoja dele, como de todos os bens materiais. Sois depositários e não proprietários. Não vos enganeis sobre isto. Deus vos emprestou e tereis que restituir, mas ele vos empresta sob a condição de que, pelo menos o supérfluo, reverta para aqueles que não possuem o necessário.
            Um dos vossos amigos vos empresta uma soma. Por menos honesto que sejais, tereis o escrúpulo de pagá-la, e lhe ficareis agradecido. Pois bem: eis a posição de todo homem rico! Deus é o amigo celeste que lhe emprestou a riqueza, não lhe pedindo mais do que o amor e o reconhecimento, mas exigindo, por sua vez, que o rico dê aos pobres, que são também seus filhos, tanto quanto ele.
            O bem que deus vos confiou excita em vossos corações uma ardente e desvairada cobiça. Já refletistes, quando vos apegais loucamente a uma fortuna perecível, e tão passageira como vós mesmos, que um dia tereis de prestar contas ao Senhor daquilo que Ele vos concedeu? Esquecei que, pela riqueza, fostes investidos na sagrada condição de ministros da caridade na Terra, para serdes os seus dispensadores inteligentes? O que sereis, pois, quando usais somente em vosso proveito o que vos foi confiado, senão depositários infiéis? Que resulta desse esquecimento voluntário dos vossos deveres? A morte inflexível, inexorável, virá rasgar o véu sob o qual vos escondeis, forçando-vos a prestar contas ao amigo que vos favoreceu, e que nesse momento reveste aos vossos olhos a toga de juiz.

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